Imóvel adquirido antes da União Estável não entra na Partilha de Bens
- Thales de Menezes
- 22 de out. de 2015
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de ago.

O imóvel adquirido antes da união estável não se comunica ao outro companheiro, mesmo que a escritura definitiva tenha sido lavrada durante a convivência. Essa foi a decisão recente do Superior Tribunal de Justiça, que analisou um caso em que a filha contestava o direito de meação da ex-companheira de seu falecido pai.
A questão é complexa e envolve a interpretação do Código Civil, da Lei nº 9.278/1996 e da Constituição Federal. O STJ entendeu que a data da aquisição efetiva do bem deve prevalecer, e não apenas a data do registro em cartório. Por isso, compreender a legislação é essencial para quem vive ou viveu em união estável.
O que diz a lei sobre a união estável e Partilha de Bens
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §3º, reconhece a união estável como entidade familiar. O dispositivo estabelece:
"Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."
Após esse reconhecimento constitucional, foi editada a Lei nº 9.278/1996, que tratou especificamente da união estável. Seu artigo 5º afirma:
"Os bens adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito."
O Código Civil de 2002, no artigo 1.725, consolidou esse entendimento:
"Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens."
Portanto, como regra, somente os bens adquiridos onerosamente durante a união estável integram a partilha.
O artigo 1.790 do Código Civil e sua interpretação
O caso julgado no STJ citou o artigo 1.790 do Código Civil, dispositivo que tratava do direito sucessório do companheiro. O artigo dispunha:
"Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança."
O artigo 1.790, no entanto, foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2017 (RE 878694 e RE 646721). O STF decidiu que companheiros e cônjuges devem ter os mesmos direitos sucessórios. Assim, aplica-se o artigo 1.829 do Código Civil, que regula a sucessão no casamento.
No entanto, essa decisão não altera a regra quanto à partilha de bens durante a dissolução da união estável, que segue o regime da comunhão parcial, salvo contrato em sentido contrário.
A decisão do STJ
No caso analisado, o pai da recorrente havia adquirido o imóvel em 1974, quitando-o em 1979. A união estável iniciou-se em 1978, mas a escritura definitiva só foi lavrada em 2004.
A ex-companheira alegou que, por ter sido lavrada durante a união, a escritura incorporaria o bem ao patrimônio comum. Entretanto, o STJ afastou essa tese. O ministro relator Villas Bôas Cueva explicou que a aquisição real ocorreu antes da união, ainda que o registro tenha se dado em momento posterior.
Segundo ele, a presunção de esforço comum nos bens adquiridos na constância da união estável só foi reconhecida pela Lei nº 9.278/1996. Antes disso, era necessária a comprovação de participação efetiva para ter direito à meação.
Portanto, não havia elementos que demonstrassem contribuição da companheira na aquisição do bem. Por essa razão, o STJ decidiu que o imóvel não deveria integrar a partilha.
O regime da comunhão parcial de bens e sua aplicação
O regime legal aplicável à união estável é o da comunhão parcial. Isso significa que os bens adquiridos antes da convivência não se comunicam, salvo prova de esforço comum na aquisição ou em benfeitorias.
O artigo 1.658 do Código Civil dispõe:
"No regime da comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com exceção dos enumerados no artigo seguinte."
Já o artigo 1.659 estabelece as exceções:
"Excluem-se da comunhão: I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; III – as obrigações anteriores ao casamento; IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V – os bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão; VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes."
Portanto, no regime de comunhão parcial, apenas os bens adquiridos onerosamente durante a união se comunicam.
Prova de esforço comum
Ainda que o imóvel tenha sido adquirido antes da união estável, é possível discutir a comunicação patrimonial se houver provas de esforço comum na quitação ou manutenção do bem.
O STJ já decidiu em outras ocasiões que, quando há comprovação de que um companheiro contribuiu financeiramente para a aquisição ou para benfeitorias relevantes, pode haver reconhecimento de direito patrimonial.
No entanto, a simples lavratura da escritura durante a convivência não basta para caracterizar a comunicação. É necessário comprovar efetiva contribuição no pagamento ou valorização do bem.
Contrato de Gaveta
Outra questão que surge com esse tema é se este casal teria algum direito ao imóvel caso ele tenha sido comprador por meio de contrato de gaveta. Será que esse documento possui alguma validade? Falo sobre isso com detalhes no seguinte texto: Contrato de Gaveta tem validade?
Conclusão
O entendimento do STJ reafirma que o imóvel adquirido antes da união estável não se comunica automaticamente, ainda que a escritura tenha sido lavrada posteriormente. A data da aquisição é o fator determinante, e não o registro definitivo.
Consumidores devem ficar atentos às regras legais para evitar litígios. O Código Civil, a Lei nº 9.278/1996 e a Constituição Federal definem os limites patrimoniais da união estável.
Sempre que houver dúvidas sobre direitos em casos de dissolução de união estável ou sucessão, é fundamental procurar orientação jurídica especializada. Assim, evita-se prejuízo patrimonial e assegura-se a correta aplicação da lei.




