Distrato Imobiliário: Como devolver o imóvel comprado e receber parte do valor de volta?
- Thales de Menezes
- 12 de out.
- 8 min de leitura
A aquisição de um imóvel é frequentemente o maior investimento da vida de uma pessoa. Representa a concretização de um sonho, a segurança para o futuro e um patrimônio a ser construído. Contudo, a jornada até a entrega das chaves pode ser longa e repleta de imprevistos.
O que acontece quando, no meio desse caminho, o sonho se transforma em um pesadelo financeiro? Quando as parcelas se tornam insustentáveis ou a vida simplesmente muda de rumo, tornando o investimento inviável? É nesse cenário de angústia que a figura do distrato imobiliário se torna crucial.
Muitos compradores, ao assinar o contrato de compromisso de compra e venda, não se atentam às cláusulas de rescisão. Acredita-se, otimisticamente, que nunca será necessário recorrer a elas. Contudo, ignorar essas disposições pode representar um risco financeiro catastrófico no futuro.
Este artigo tem como objetivo desmistificar o processo de distrato. Explicaremos de forma clara e direta quais são seus direitos como consumidor e como a legislação brasileira protege você contra cláusulas abusivas que podem levar à perda de todo o seu investimento.
Fique conosco até o final para entender como navegar por esse processo complexo, garantindo que, ao desistir de um imóvel, você não perca mais do que o justo e necessário.
Caso prefira, assista o vídeo abaixo. Nele há todas as informações que você precisa saber:
O Pesadelo da Inadimplência: Quando a Realidade Supera o Planejamento
A decisão de desistir de um imóvel raramente é tomada de forma leviana. Geralmente, ela é o resultado de dificuldades imprevistas e significativas. Um problema de saúde súbito pode incapacitar um profissional autônomo, interrompendo sua fonte de renda.
A perda de um emprego estável ou a redução salarial são motivos comuns que tornam o pagamento das parcelas uma missão impossível. A economia do país é volátil, e a segurança financeira de hoje pode não existir amanhã.
Além disso, mudanças na estrutura familiar, como um divórcio ou o nascimento de um filho, podem redirecionar prioridades financeiras. O planejamento inicial pode simplesmente não se sustentar diante de uma nova realidade.
Outro cenário é o arrependimento pós-compra. Após uma análise mais criteriosa, o comprador pode perceber que o negócio não era tão vantajoso quanto parecia. Talvez o imóvel não tenha a valorização esperada ou as condições de financiamento se tornaram mais onerosas.
Independentemente do motivo, o sentimento é o mesmo: desespero e a necessidade urgente de encontrar uma saída. A preocupação imediata se volta para o contrato. O que ele diz sobre a desistência? Quanto do dinheiro já pago será perdido?
É nesse momento de vulnerabilidade que muitos compradores se deparam com cláusulas penais assustadoras, impostas pelas construtoras em contratos de adesão. Essas cláusulas podem estipular multas altíssimas, colocando em risco anos de economia.
A Armadilha Contratual: O Perigo das Multas Exorbitantes
Os contratos de compra e venda de imóveis na planta, especialmente os elaborados por grandes construtoras, são famosos por suas cláusulas de penalização. Elas são redigidas para proteger o interesse do vendedor, muitas vezes em detrimento do comprador.
É comum encontrar contratos que estipulam uma multa de 50% sobre o valor total pago em caso de rescisão por parte do comprador. Em casos mais extremos, essa penalidade pode chegar a 70% ou até mesmo 100% do valor investido.
Isso significa que, se você já pagou R$ 200.000 pelo imóvel, ao desistir, poderia perder entre R$ 100.000 e R$ 200.000. Uma perda financeira devastadora, que compromete não apenas o presente, mas o futuro de toda uma família.
Essas cláusulas, no entanto, não são intocáveis. O ordenamento jurídico brasileiro prevê mecanismos para coibir abusos e restabelecer o equilíbrio nas relações contratuais, especialmente aquelas marcadas por uma clara disparidade de forças entre as partes.
Um contrato, embora seja lei entre as partes, não pode violar princípios fundamentais do direito, como a boa-fé e a função social do contrato. Cláusulas que impõem uma penalidade desproporcional podem ser consideradas nulas ou reduzidas judicialmente.
A boa notícia é que os tribunais brasileiros têm compreendido essa realidade e atuado para proteger os consumidores. A jurisprudência é firme no sentido de que a perda total do investimento é uma medida inaceitável e injusta.
A Intervenção Judicial: O Artigo 413 do Código Civil como Escudo do Consumidor
O principal instrumento legal para combater as multas abusivas é o artigo 413 do Código Civil. Este dispositivo confere ao juiz o poder de intervir e modificar o contrato quando a penalidade imposta se revela excessiva ou injusta.
O texto do artigo é claro:
"A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio."
Vamos desmembrar esse artigo para entendê-lo melhor. A primeira parte, "se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte", se aplica perfeitamente ao nosso caso. O comprador que pagou várias parcelas cumpriu uma parte substancial de sua obrigação.
A segunda parte, "se o montante da penalidade for manifestamente excessivo", é o cerne da questão. O juiz analisará se a multa de 50%, 70% ou 100% é proporcional ao prejuízo efetivamente sofrido pela construtora com a desistência.
Geralmente, o prejuízo da construtora se resume a custos administrativos e à perda de uma oportunidade de venda durante o período em que o imóvel ficou reservado. É muito difícil justificar uma perda de 50% ou mais do valor já pago.
A expressão "reduzida equitativamente" significa que o juiz buscará uma solução justa e equilibrada. Ele não punirá o comprador pela desistência, mas também não deixará a construtora sem nenhuma compensação pelos seus custos.
A natureza e a finalidade do negócio também são consideradas. Trata-se de um contrato de consumo, onde o Código de Defesa do Consumidor também oferece proteções contra cláusulas abusivas, reforçando a necessidade de um tratamento mais equânime.
A Lei do Distrato Imobiliário: A Regulamentação de 2018 e Suas Implicações
Em 2018, a legislação brasileira foi atualizada com a sanção da Lei nº 13.786, que trouxe regras específicas para o distrato de imóveis no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida, mas cujos princípios são aplicados de forma mais ampla.
O artigo 67-A dessa lei é de suma importância. Ele estabelece que, em caso de desfazimento do contrato, o comprador terá direito à restituição das quantias pagas, atualizadas, deduzindo-se cumulativamente a integralidade da comissão de corretagem e a pena convencional.
"Art. 67-A . Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente: I - a integralidade da comissão de corretagem; II - a pena convencional, que não poderá exceder a 25 por cento (vinte e cinco por cento) da quantia paga.”
O ponto crucial desse artigo é o estabelecimento de um teto para a pena convencional: "que não poderá exceder a 25 por cento (vinte e cinco por cento) da quantia paga". A lei, portanto, limitou a multa máxima que pode ser retida pela construtora.
Essa foi uma grande vitória para os consumidores, pois colocou na lei um limite que antes dependia apenas da interpretação judicial. Contratos com multas de 50% ou mais passaram a ter uma cláusula legalmente ineficaz.
Contudo, é fundamental fazer uma observação importante sobre a redação da lei. Quando o dispositivo menciona que a multa "não poderá exceder a 25 por cento", ele está estabelecendo um valor máximo, não um valor obrigatório.
Isso significa que a multa não é automaticamente de 25%. Ela pode ser menor. A lei não impede que os juízes continuem aplicando o patamar histórico de 10%, como fizeram nos casos que mencionamos anteriormente, que são posteriores a 2018.
A lei veio para estabelecer um teto, um limite superior de proteção, mas não para engessar o poder do juiz de analisar cada caso e aplicar a penalidade que considerar mais justa e equitativa, dentro da faixa de 10% a 25%.
O Cuidado Essencial: A Correção Monetária e a Armadilha do Valor Nominal
Um dos pontos mais sensíveis e onde os compradores são mais enganados na hora do distrato é a correção monetária. Muitas construtoras, de má-fé, oferecem a devolução de um alto percentual, mas aplicam uma "pegadinha" no cálculo.
Elas propõem devolver 80% ou 90% do valor nominal pago. Por exemplo, se você pagou R$ 50.000 há cinco anos, elas oferecem devolver R$ 45.000 hoje. Parece um bom negócio, mas é uma grande ilusão.
O dinheiro perde valor com o tempo devido à inflação. Os R$ 50.000 pagos há cinco anos não valem R$ 50.000 hoje. O poder de compra desse dinheiro diminuiu significativamente. A correção monetária serve justamente para recompor esse valor.
A correção não é um ganho, um juro ou um acréscimo. Ela é apenas um mecanismo para preservar o valor real do dinheiro. É garantir que os R$ 50.000 de ontem tenham o mesmo poder de compra que os R$ 50.000 de hoje, após o ajuste pelo índice inflacionário.
A "jogada" das construtoras é se aproveitar do fato de que a maioria das pessoas não entende bem esse conceito. Elas devolvem o valor nominal, que na prática representa muito menos do que o que foi efetivamente pago em valor de compra.
Imagine que os R$ 50.000 pagos há cinco anos, corrigidos pelo índice oficial de inflação, hoje equivalessem a R$ 70.000. A construtora que oferece devolver R$ 45.000 (90% de R$ 50.000) na verdade está devolvendo apenas 64% do valor real.
A própria Lei do Distrato, em seu artigo 32-A, é explícita: os valores devem ser "atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel". Portanto, a correção é uma obrigação legal, não uma opção.
Conclusão: Equilíbrio e Proteção no Distrato Imobiliário
É inegável que existe uma assimetria de poder na relação entre compradores e construtoras. As empresas vendem imóveis todos os dias, possuem departamentos jurídicos estruturados e elaboram contratos que protegem seus interesses de forma agressiva.
O comprador, por outro lado, geralmente realiza essa operação poucas vezes na vida. Não possui a mesma experiência nem o mesmo poder de barganha. Assina um contrato de adesão, cujas cláusulas raramente podem ser negociadas.
Contudo, essa desvantagem inicial não significa que o consumidor está desamparado. O sistema de justiça brasileiro, amparado pelo Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor, funciona como um contrapeso fundamental.
As cláusulas de multa abusivas, que podem levar à perda de todo o investimento, são repetidamente invalidadas ou reduzidas pelos tribunais. A jurisprudência consolidada aponta para uma devolução de 75% a 90% dos valores pagos.
A Lei 13.786/2018 veio para reforçar essa proteção, estabelecendo um teto máximo de 25% para a penalidade. E a obrigação da correção monetária assegura que o valor devolvido preserve o poder de compra do dinheiro investido.
Portanto, se você está pensando em desistir de um contrato de compra de um imóvel, saiba que você tem direitos. Não aceite propostas injustas ou valores nominais que não refletem a realidade. O caminho para garantir seus direitos pode ser a negociação assistida ou a via judicial.
Nesse sentido, a consulta a um advogado especialista em direito imobiliário não é um custo, mas um investimento. Uma hora de consultoria pode evitar a perda de dezenas de milhares de reais. Não assine qualquer acordo de distrato sem antes ser devidamente orientado por um profissional qualificado. Seu patrimônio agradece.
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