Divórcio não atinge Contrato de Financiamento Imobiliário
- Thales de Menezes
- 25 de jun. de 2015
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de ago.

O financiamento imobiliário é um contrato de longa duração, regido por normas específicas, principalmente quando firmado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Em situações de divórcio entre os mutuários, surge a dúvida sobre os efeitos desse rompimento conjugal no contrato de mútuo. A questão ganha relevância porque muitos casais adquirem imóveis financiados durante o casamento e, ao se divorciarem, buscam rever cláusulas ou discutir obrigações relacionadas ao contrato.
O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que o divórcio não extingue o contrato de financiamento imobiliário. Assim, ambos os mutuários permanecem devedores e responsáveis perante a instituição financeira. Dessa forma, qualquer ação revisional do contrato exige o litisconsórcio ativo necessário de todos os contratantes, mesmo que sejam ex-cônjuges.
O contrato de financiamento imobiliário
O contrato de financiamento imobiliário, especialmente quando vinculado ao SFH, é um contrato de mútuo com garantia hipotecária ou fiduciária. Ele vincula mutuários e instituição financeira por prazo geralmente superior a vinte anos.
Segundo o artigo 421 do Código Civil, “a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”. Portanto, o contrato de financiamento gera obrigações recíprocas, e sua validade não se desfaz automaticamente em razão do divórcio dos contratantes.
Já o artigo 265 do mesmo código prevê: “há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda”. No financiamento, a solidariedade é a regra, o que significa que ambos os mutuários continuam responsáveis integralmente pela dívida, ainda que divorciados.
O divórcio e seus efeitos patrimoniais
O divórcio põe fim ao vínculo conjugal, conforme o artigo 1.571, inciso IV, do Código Civil. Contudo, esse rompimento não alcança diretamente contratos firmados pelo casal. A partilha de bens pode definir quem ficará com o imóvel, mas não extingue a responsabilidade solidária do contrato de financiamento.
O artigo 1.658 do Código Civil prevê que, no regime da comunhão parcial, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento. Isso inclui o imóvel financiado. Mesmo que a partilha atribua o bem a apenas um dos ex-cônjuges, a instituição financeira não está vinculada a essa decisão. O contrato de mútuo permanece válido e obriga os dois contratantes.
O litisconsórcio ativo necessário
O artigo 114 do Código de Processo Civil dispõe que “o litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes”.
Quando um mutuário ajuíza ação revisional sem incluir o outro, cria-se risco de decisões contraditórias. Uma eventual alteração de cláusulas contratuais pode atingir apenas um mutuário, gerando incongruência inadmissível. Por isso, o STJ reconheceu que há litisconsórcio ativo necessário em demandas revisionais de financiamento imobiliário.
O caso julgado pelo STJ
Na situação analisada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, um ex-marido ajuizou ação revisional contra a Caixa Econômica Federal sem incluir a ex-esposa, que também era mutuária.
O juiz determinou a inclusão dela no polo ativo, mas a diligência não foi cumprida. O processo foi extinto sem julgamento do mérito, decisão confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
No recurso ao STJ, o autor alegou que não havia litisconsórcio ativo necessário, já que a ex-esposa não sofreria prejuízo. Contudo, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, rejeitou o argumento. Segundo ele, a natureza do contrato de financiamento exige que todos os contratantes participem da demanda.
O ministro destacou que, sem o litisconsórcio, poderia haver a modificação de cláusulas para um mutuário, mantendo-as válidas para o outro, o que seria inadmissível. Assim, o STJ manteve a extinção do processo, reafirmando a necessidade de inclusão de todos os mutuários.
Fundamentação jurídica do entendimento
O posicionamento do STJ encontra respaldo na doutrina e na legislação. Além do artigo 114 do CPC, aplicam-se os seguintes dispositivos:
Artigo 421 do Código Civil: reforça a função social do contrato e a obrigatoriedade de cumprimento das cláusulas assumidas.
Artigo 265 do Código Civil: estabelece a solidariedade dos devedores.
Artigo 1.571, IV, do Código Civil: reconhece que o divórcio dissolve o casamento, mas não extingue obrigações contratuais.
Artigo 1.658 do Código Civil: trata da comunicação dos bens adquiridos no casamento.
Em conjunto, essas normas evidenciam que o vínculo contratual independe da continuidade ou não do vínculo conjugal.
Importância prática do litisconsórcio
Na prática, a exigência do litisconsórcio ativo necessário protege a segurança jurídica. Sem ele, o contrato poderia ser alterado parcialmente, criando obrigações distintas para pessoas que assinaram o mesmo instrumento.
Além disso, a instituição financeira não poderia ser prejudicada por decisões que excluíssem um devedor do alcance da sentença. Assim, o litisconsórcio garante uniformidade da decisão e protege tanto os mutuários quanto o credor.
Considerações finais
O entendimento do STJ sobre o litisconsórcio ativo necessário em ações revisionais de financiamento imobiliário reafirma a natureza solidária das obrigações assumidas em contrato de mútuo. O divórcio não extingue nem altera o vínculo contratual com a instituição financeira, mantendo ambos os ex-cônjuges responsáveis.
Portanto, qualquer ação que vise alterar o contrato deve incluir todos os mutuários no polo ativo, sob pena de extinção do processo. Essa interpretação garante a coerência da decisão judicial, preserva a função social do contrato e protege a segurança jurídica das relações obrigacionais.
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