O que acontece com o contrato de aluguel quando termina o usufruto ou o fideicomisso
- Thales de Menezes
- 4 de abr.
- 4 min de leitura
O direito brasileiro reconhece que a propriedade pode ser desmembrada em diferentes formas de titularidade e uso. É o que ocorre, por exemplo, com o usufruto e o fideicomisso, dois institutos que atribuem a determinadas pessoas (usufrutuários ou fiduciários) o direito de usar ou administrar bens que pertencem a terceiros (nuproprietários ou fideicomissários). Mas o que acontece se o imóvel objeto da locação está sob usufruto ou fideicomisso e esse direito chega ao fim?
O Artigo 7º da Lei nº 8.245/1991 — a chamada Lei do Inquilinato — trata exatamente dessa situação. Ele estabelece as regras sobre a validade e possível denúncia do contrato de locação quando ocorre a extinção do usufruto ou do fideicomisso. Veja o que diz a lei:
Art. 7º: "Nos casos de extinção de usufruto ou de fideicomisso, a locação celebrada pelo usufrutuário ou fiduciário poderá ser denunciada, com o prazo de trinta dias para a desocupação, salvo se tiver havido aquiescência escrita do nuproprietário ou do fideicomissário, ou se a propriedade estiver consolidada em mãos do usufrutuário ou do fiduciário."
Parágrafo único: "A denúncia deverá ser exercitada no prazo de noventa dias contados da extinção do fideicomisso ou da averbação da extinção do usufruto, presumindo-se, após esse prazo, a concordância na manutenção da locação."
Vamos destrinchar o que isso significa, ponto por ponto.
Entendendo os papéis: quem é quem
Antes de tudo, é importante entender os sujeitos envolvidos:
Usufrutuário: pessoa que detém o direito de usar e usufruir de um bem que pertence a outro (o nuproprietário).
Fiduciário: pessoa que, em um fideicomisso, administra ou usufrui do bem enquanto durar a condição imposta.
Nuproprietário: o verdadeiro dono do bem, que cede o usufruto a outra pessoa.
Fideicomissário: herdeiro ou beneficiário que receberá a propriedade plena após o término do fideicomisso.
A locação feita por usufrutuário ou fiduciário é válida?
Sim, desde que o usufruto ou o fideicomisso estejam em vigor, o usufrutuário ou o fiduciário têm o direito de alugar o imóvel. Entretanto, esse contrato não vincula automaticamente o nuproprietário ou fideicomissário quando o usufruto ou fideicomisso chega ao fim.
Por isso, o Art. 7º prevê que, nesses casos, a locação poderá ser denunciada pelo novo titular da posse plena, desde que ele:
Não tenha concordado expressamente (por escrito) com a locação;
Exerça o direito de denúncia no prazo de até 90 dias após a extinção do usufruto/fideicomisso.
O que significa denunciar a locação?
Denunciar, aqui, significa comunicar formalmente a intenção de encerrar o contrato de aluguel. Essa denúncia deve ser feita pelo novo proprietário (ou por quem teve a posse consolidada) dentro de 90 dias contados:
da extinção do fideicomisso; ou
da averbação da extinção do usufruto no registro de imóveis.
Se esse prazo for respeitado, o locatário (inquilino) deverá desocupar o imóvel no prazo de 30 dias após receber a notificação.
Quando a denúncia não pode ocorrer
O direito de denúncia não existe se:
O nuproprietário ou fideicomissário tiver dado sua anuência por escrito à locação feita pelo usufrutuário/fiduciário;
O direito de propriedade for consolidado na mesma pessoa que era o usufrutuário ou fiduciário (ou seja, quando a separação entre uso e propriedade deixa de existir).
Nessas situações, entende-se que há concordância com a locação, que pode seguir normalmente.
E se passar o prazo de 90 dias?
Caso o titular do domínio (nuproprietário ou fideicomissário) não denuncie a locação no prazo de 90 dias, presume-se que ele aceitou tacitamente o contrato de locação. Ou seja, não poderá mais exigir a saída do inquilino com base apenas na extinção do usufruto ou do fideicomisso.
Essa presunção legal visa proteger a estabilidade contratual do locatário, impedindo que ele seja surpreendido muito tempo depois por uma ordem de desocupação.
Exemplo prático
Imagine que João era usufrutuário de uma casa e alugou o imóvel para Pedro por tempo indeterminado. Quando João falece, o usufruto é extinto e a propriedade plena volta para Maria, sua filha e nuproprietária.
Se Maria não deu autorização escrita à locação e deseja reaver o imóvel, ela deverá:
Notificar Pedro no prazo máximo de 90 dias após o falecimento de João (ou da averbação da extinção no cartório);
Conceder 30 dias para que Pedro desocupe o imóvel.
Se Maria perder esse prazo ou se tiver autorizado previamente a locação, Pedro poderá continuar no imóvel, pois a locação será considerada válida.
Conclusão
O Art. 7º da Lei do Inquilinato busca equilibrar dois interesses legítimos: o do proprietário que retoma a posse plena do imóvel e o do inquilino que confiou na validade da locação firmada com o usufrutuário ou fiduciário.
A norma reconhece a importância da segurança jurídica e da boa-fé nas relações locatícias, permitindo a denúncia da locação dentro de regras claras e prazos objetivos. Ao mesmo tempo, protege o locatário de surpresas, estabelecendo que o silêncio do novo proprietário implica aceitação do contrato.
Esse artigo é um bom exemplo de como o direito busca conciliar direitos de propriedade com a estabilidade nas relações contratuais, especialmente no mercado de imóveis urbanos.
Se você tem dúvidas sobre contratos firmados por usufrutuários ou deseja analisar a validade de uma locação nessas condições, vale consultar um profissional especializado em direito imobiliário.