Tudo que você precisa saber sobre Juros de Obra
- Thales de Menezes
- 3 de jul. de 2017
- 5 min de leitura
Atualizado: 29 de ago.

O financiamento de um empreendimento imobiliário envolve custos altíssimos. Muitas vezes, a construtora ou incorporadora não possui capital suficiente para custear toda a obra. Por isso, recorre ao financiamento bancário. O banco concede crédito à construtora e, em contrapartida, cobra juros mensais sobre o valor emprestado.
Esses juros, chamados de juros de obra, ou ainda taxa de evolução de obra e juros de pé, acabam sendo repassados ao comprador do imóvel. Na prática, o consumidor arca com os encargos financeiros do empréstimo contratado pela construtora, mesmo sem ter participado da negociação direta com o banco.
A palavra-chave juros de obra aparece com frequência em reclamações de consumidores. De fato, trata-se de uma das principais causas de ações judiciais contra construtoras no país.
A fundamentação legal e o Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) é a principal legislação aplicada aos contratos imobiliários entre construtoras e compradores. O artigo 6º, inciso III, assegura ao consumidor o direito à informação clara e adequada:
“São direitos básicos do consumidor: (...) III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.”
Assim, cláusulas contratuais que imponham ao comprador o pagamento dos juros de obra precisam ser redigidas de forma clara, destacada e compreensível. Caso contrário, podem ser consideradas abusivas.
Além disso, o artigo 39 do mesmo diploma veda práticas abusivas por parte do fornecedor. Ele dispõe que:
“É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços: (...) V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.”
Com base nisso, o Judiciário analisa se a transferência do custo financeiro da obra ao comprador constitui vantagem excessiva em favor da construtora.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou diversas vezes sobre a legalidade dos juros de obra. Desde 2012, adota uma linha de entendimento firmada pelo Ministro Antônio Carlos Ferreira:
“Não se considera abusiva cláusula contratual que preveja a cobrança de juros antes da entrega das chaves, que, ademais, confere maior transparência ao contrato e vem ao encontro do direito à informação do consumidor (art. 6º, III, do CDC), abrindo a possibilidade de correção de eventuais abusos.” (EREsp 670.117/PB, Rel. p/ Acórdão Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 26/11/2012).
Dessa forma, o STJ entende que a cobrança dos juros de obra antes da entrega das chaves não é ilegal, desde que esteja prevista no contrato de forma clara. O tribunal justifica essa posição pelo fato de que a compra do imóvel, em tese, deveria ser paga à vista. Se o consumidor opta pelo parcelamento, a construtora pode cobrar encargos financeiros como contrapartida.
Limites para a cobrança de juros de obra
Ainda que o STJ admita a cobrança em determinadas situações, existem limites definidos pela jurisprudência e pela legislação:
1. Prazo de cobrança antes do Habite-se
A cobrança dos juros de obra só pode ocorrer até a expedição do Habite-se. Esse documento, emitido pelo município, atesta que a obra está concluída e em conformidade com a legislação urbanística. Após sua emissão, a cobrança torna-se abusiva e ilegal.
2. Atraso na entrega do imóvel
Se a construtora atrasa a entrega da obra, a cobrança dos juros de obra é considerada abusiva. O consumidor não pode ser responsabilizado por encargos decorrentes de um atraso que não lhe cabe. Nesses casos, a Justiça reconhece o direito à restituição dos valores pagos, muitas vezes em dobro, conforme o artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor:
“O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”
A discussão sobre abusividade
Parte da doutrina e da jurisprudência defende que a transferência dos juros de obra ao consumidor é abusiva em qualquer hipótese. O argumento central é que o financiamento foi firmado entre construtora e banco, e não entre consumidor e banco. Portanto, não faria sentido o comprador arcar com um custo que não contratou.
Por outro lado, a corrente seguida pelo STJ admite a cobrança, mas condiciona sua validade à transparência contratual. O consumidor deve ser plenamente informado sobre a natureza e a duração da cobrança.
Esse conflito de entendimentos gera incertezas e alimenta milhares de ações judiciais em todo o país.
Direito do consumidor em caso de cobrança indevida
O comprador que se sentir lesado pode recorrer ao Judiciário. As ações mais comuns envolvem pedidos de:
Reconhecimento da ilegalidade da cobrança.
Restituição dos valores pagos a título de juros de obra.
Indenização por danos materiais e, em alguns casos, por danos morais.
A atuação judicial é reforçada pela aplicação do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, que declara nulas de pleno direito cláusulas contratuais abusivas. Entre as hipóteses, destacam-se:
“São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.”
Assim, a cobrança de juros de obra após o Habite-se ou em caso de atraso de entrega se enquadra perfeitamente na vedação legal.
Imprevisão
A questão dos juros de obra é muito frequente aqui no escritório. E quase todos que me procuram não sabiam da existência dessa possibilidade de cobrança e foram pegos desprevenidos por essa dívida inesperada. Por isso é importante levar o contrato para um advogado especialista analisar antes de assinar. Mas se você esta sem tempo, escrevi um texto explicando o básico que precisa ser analisado em todo contrato de compra e venda de imóveis. Veja no seguinte link: "Não assine um contrato de compra e venda de imóveis antes de ler esse texto"
Conclusão
Os juros de obra representam uma das questões mais polêmicas do direito imobiliário contemporâneo. De um lado, construtoras e bancos defendem a legalidade da cobrança como forma de viabilizar o financiamento das obras. De outro, consumidores e entidades de defesa do consumidor denunciam a prática como abusiva, especialmente em situações de atraso ou após a conclusão da obra.
O STJ consolidou o entendimento de que a cobrança não é abusiva antes da entrega das chaves, desde que prevista de forma clara no contrato. Contudo, após a expedição do Habite-se ou diante de atrasos, a prática se torna ilegal e sujeita à restituição dos valores.
Ao consumidor, resta a atenção redobrada na assinatura do contrato e, se necessário, a busca por orientação jurídica. Conhecer seus direitos é o primeiro passo para evitar prejuízos em uma das maiores aquisições da vida: a compra do imóvel próprio.
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Advogado imobiliário em Goiânia (Goiás) é Thales de Menezes.




